terça-feira, 5 de julho de 2016

Educação no Governo Temer: uma ponte para a distopia I

Fonte: Gama Livre
O governo interino de Michel Temer é uma investida golpista da burguesia brasileira que, como “sócia-menor” do capital internacional, busca recompor as bases políticas da hegemonia neoliberal, com vistas à retomada do crescimento das taxas de lucro, frente a crise internacional do capital. Para isso, utilizam estratégias que combinam a produção de consenso (através da manipulação midiática) e a coerção (por meio do poder jurídico-policial), visando impor um programa de reformas neoliberais em sua versão ortodoxa, centrado na destruição de direitos trabalhistas e na privatização de serviços públicos essenciais como a previdência social, a saúde e a educação.
Os documentos “Uma Ponte para o Futuro” e “A Travessia Social”- ambos elaborados pela Fundação Ulisses Guimaraes (Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB) - revelam a direção que Temer pretende dar a agenda educacional. Nestes documentos é possível apreender que o significado central do conjunto de ações para o setor é a redução violenta do gasto social, a privatização e a transformação da educação em fonte de lucros e excedentes de poder. Neste texto, analisamos parte das medidas anunciadas para a área da educação, buscando evidenciar uma forte tendência ao desmonte da educação pública brasileira e à nacionalização de modelos educacionais privados de inspiração estadunidense, atualmente em implantação em alguns estados brasileiros, mesmo sem pesquisas consistentes e independentes que comprovem sua eficácia em termos de melhoria da qualidade do ensino. Isso porque, seu principal interesse é transferir a educação nacional para controle o exclusivo de corporações empresariais.

Educação no contexto do ajuste fiscal

As medidas para área da educação estão inscritas no documento “A Travessia Social”, a saber:
1- Prioridade para o ensino fundamental e médio; 2- Foco na qualidade do aprendizado e na sala de aula; 3- Maior presença do Governo Federal no ensino básico; 4- Dar consequência aos processos e resultados das avaliações; 5- Foco na qualificação e nos incentivos aos professores do ensino básico; 6- Programa de certificação federal dos professores de 1o e 2o grau, em todo o país, para efeito de pagamento de um adicional à sua remuneração regular, custeado pela união; 7- Diversificação do ensino médio, de acordo com a vocação e o interesse dos alunos” (cf. FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, s/d, p. 15).
O texto não detalha os significados de cada uma dessas propostas, mas podemos inferi-los, mediante o entendimento de que o conjunto é condicionado pela proposta de ajuste fiscal violentamente restritiva para área social.
Neste sentido, entendemos que, sejam quais forem seus significados mais específicos, as propostas de Temer para a área de educação estão enquadradas pela medida inscrita no documento “Uma ponte para o Futuro”, que prevê um “(...) novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações (...)” (Cf. FUNDAÇAO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p. 9). Isso significa que, para cobrir o déficit orçamentário (despesa maior do que a receita), estimado pelo governo em R$ 170,5 bilhões (CARTA CAPITAL, 24/05/2016), o governo pretende buscar a revogação dos dispositivos constitucionais que obrigam os governantes investirem um mínimo do orçamento público em áreas essenciais como a previdência social, a saúde e a educação. Portanto, o contexto orçamentário no qual as propostas acima seriam implementadas é de ampla liberalização, em função do desmonte das garantias constitucionais.
Para análise da questão, antes de mais nada, importa salientar que o financiador majoritário do Estado brasileiro é a população de menor renda, uma vez que o segmento remunerado com até três salários mínimos é o que mais gera arrecadação de tributos no país.
Conforme os dados do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Brasil tem caminhado no sentido contrário ao da justiça fiscal. Isso porque, “(...) aqueles que contam com maior nível de rendimento e estoque de riquezas deveriam contribuir proporcionalmente mais com pagamento de tributos” (p.15). Contudo, estudos demonstram que, em 2004, as pessoas que ganhavam até dois salários mínimos gastaram 48% de sua renda no pagamento de tributos. Já o peso da carga tributária para pessoas com renda superior a 30 salários mínimos correspondia a 26,3% (CDES, 2010).
Outro estudo, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), realizado com base no Censo 2010, 79% da população brasileira, que recebe até três salários mínimos por mês, contribuem com 53% da arrecadação tributária total (IBPT, 2014).
Segundo o livro Sistema Tributário e Seguridade Social: contribuições para o Brasil (SINDIFISCO NACIONAL, 2014), o Brasil possui uma das cargas tributárias mais regressivas e injustas do mundo. Regressiva porque, mais da metade da arrecadação tributária advém do consumo (impostos indiretos), além de uma parcela considerável da receita pública ser destinada ao pagamento de encargos da dívida, beneficiando os rentistas, por sua vez, já privilegiados pela menor tributação. Segundo o relatório citado, em 2012 a arrecadação tributária alcançou 34,84% do PIB (R$ 1,53 trilhão). Desta receita, 54,63% (R$ 837,91 bilhões) da arrecadação das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) foi gerada através do consumo. O fato é que na tributação do consumo, o consumidor paga indiretamente o valor que seria de responsabilidade das empresas, pois este é repassado para os preços das mercadorias e serviços. Outros 27,24% (R$ 417.84 bilhões) foram tributados da renda e apenas 3,76% (R$ 57,61 bilhões) vieram da tributação do patrimônio, o que é irrisório e determinante da concentração de riqueza. 14,37% (220,45 bilhões) são classificados como outros tributos, o que inclui FGTS, taxas estaduais e municipais, previdências estaduais e municipais, etc.
Comparada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a participação dos tributos indiretos na carga tributária é bastante exagerada. No Brasil os tributos incidentes sobre bens e serviços, renda e propriedade representaram, em 2007, cerca de 46,8%, 22,1% e 34% respectivamente, da carga total de 34,8% do PIB. Nos países da OCDE essas proporções atingiram cerca de 30,4%, 36,9% e 5,4% de uma arrecadação total de 35,8% (CDES, 2010).
Ainda, de acordo com os dados do IBPT (2013), o Brasil tem a maior carga tributária dos países que compõem o grupo BRIC: Brasil, 36% do PIB; Rússia, 22%; China, 20%; Índia, 13%; África da Sul, 18%. Como se vê, a carga tributária brasileira soma quase o dobro da média dos demais países que formam o BRIC.
Mas, se por um lado, o Brasil possui uma carga tributária semelhante aos países desenvolvidos, por outro, o retorno social é baixo em relação à mesma. Estima-se que apenas 10,4% do arrecadado retornaram à sociedade na forma de investimentos públicos em educação (4,7%), saúde (3,7%), segurança pública (1,4%) e habitação e saneamento (0,6%) (CDES, 2010).
Desta forma, na perspectiva da justiça fiscal, a vinculação de receitas para a área social é o mínimo que se pode exigir, como benefício que deve retornar ao contribuinte majoritário na forma de direitos sociais. É neste sentido que a Constituição Federal de 1988 (CF) obriga os governantes investirem um mínimo do orçamento público nas áreas sociais. Na educação, a CF prevê que sejam aplicados, no mínimo, 18% do orçamento federal, 25% dos orçamentos estaduais e do DF, e 25% dos orçamentos dos municípios, na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Isso inclui, entre outras coisas, investimentos na infraestrutura das escolas, formação continuada e principalmente nos salários dos professores. Sem essas vinculações de receitas, a política educacional brasileira passaria a ser financiada de acordo com a “vontade política” dos governantes de plantão, para os quais, na maior parte da nossa história, a educação do povo nunca foi uma prioridade.
Entretanto, se sob o governo Temer a educação pública perde, ganham os 20 mil grupos familiares (cerca de 10% da população brasileira), que se apropriam de 70% dos juros da dívida (FIGUEREDO, 2008) e continuarão auferindo lucros exorbitantes. Isso porque, o superávit primário (a poupança para pagamento dos juros da dívida pública) no governo Temer, continuará incólume, remunerando um pequeno grupo de pessoas e instituições, que são detentores de títulos públicos e que possuem recursos para pressionar o Estado.
Como mostram os dados da Auditoria Cidadã, do orçamento federal executado em 2014, 45,11% foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida, consumindo R$ 978 bilhões. No mesmo ano, apenas 3,73% foram destinados à educação e 3,98% à saúde. Em 2015 a dívida consumiu 42% do gasto federal, chegando a R$ 962 bilhões, o que corresponde à 12 vezes o que foi destinado à educação ou 11 vezes os gastos com saúde. Isto apenas para exemplificar que o rombo do orçamento público está no sistema da dívida e quem paga esta conta são os brasileiros de menor renda através dos impostos.
Isso demonstra que o Estado brasileiro age como uma espécie de “Robin Hood às avessas”, roubando dos mais pobres para entregar aos mais ricos, mediante uma carga tributária regressiva e injusta; e uma dívida pública ilegítima, ilegal e nunca auditada. Desvincular receitas neste contexto, significa retirar recursos da educação e da saúde, e transferi-lo para especulação do capital nacional e internacional, estreitando ainda mais a possibilidade de acesso ao conhecimento escolarizado à maioria da população. A inversão da arquitetura tributária nos sentido progressivo e a auditoria da dívida são bandeiras a serem levantadas contra o desmonte de direitos trabalhistas e sociais.

Mimetizando os Estados Unidos

Quando enquadradas pelo ajuste fiscal violentamente regressivo, as medidas para área da educação têm seus desdobramentos previsíveis. A desvinculação de receitas da educação visa criar condições para ampliação ainda maior do mercado das corporações empresarias da educação e da indústria educacional, tal como foi feito nos Estados Unidos a partir da década de 1990. Estender os tentáculos do mercado - já majoritário no ensino superior - à educação básica é o único horizonte provável para a política educacional, num contexto de desvinculação de receitas. Medidas como as citadas no início do texto (“prioridade para o ensino fundamental e médio; “consequência aos processos e resultados das avaliações”; “incentivos aos professores do ensino básico”; “pagamento de um adicional à sua remuneração regular”) ganham algum sentido, apenas se admitirmos a privatização da educação básica como o horizonte de tais reformas.
Nesta perspectiva, a cada dia aparecem mais indícios de que o governo interino pretende aprofundar modalidades de privatização copiadas dos Estados Unidos, como preconizado pelo movimento de reformadores empresariais da educação (FREITAS, 2012). Assim, a tendência é o aprofundamento do sistema de Vouchers (transferência de recursos públicos para o financiamento de estudantes de baixa renda em instituições privadas) e das políticas de Accountability (responsabilização dos professores com resultados de testes padronizados) no ensino superior e médio, como já são os casos do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (PRONATEC). No caso da educação básica os indícios são de uma tendência à nacionalização do modelo Charters Schools, que são escolas públicas com gestão terceirizada à Organizações Sociais (OS), sob um contrato de parceria público-privada que estabelece um sistema de responsabilização. Este modelo teve seu maior impulso na década de 1990, durante o governo George H.W. Bush nos Estados Unidos, sendo experimentado também em outros países como a Austrália, Suécia e Inglaterra. Apesar da promessa de melhoria do desempenho escolar, o principal interesse dos reformadores empresariais foram se revelando como essencialmente comerciais, como destaca o pesquisador americano John Bellamy Foster (2013):
“O capital financeiro, obviamente, interessa-se pelas escolas charter, que são: (1) financiadas com recursos públicos, porém geridas de forma privada e alavancadas em áreas estratégicas por grandes fundações; (2) não sindicalizadas em sua maioria (e também contra sindicatos; (3) voltadas para testagem, coleta de dados e tecnologia; (4) geralmente abertas para um modelo corporativo de organização; e (5) receptora de grandes fundos, o que exige gestão financeira”(p. 100).
Cabe salientar que, no tocante à qualidade da educação ou mesmo à melhoria do desempenho escolar, estas políticas fracassaram nos Estados Unidos e em vários outros países, conforme vêm denunciando diversos pesquisadores norte-americanos, com destaque para a doutora da Universidade de Nova Iorque, Diane Ravitch, em seu livro Vida e morte do grande sistema escolar americano (2011). Conforme a autora, em 2009 o estado da Filadéfia, por exemplo, anunciou que suas escolas charters foram um fracasso, uma vez que embora seis de suas vinte oito escolas de ensino fundamental e médio tivessem superado as escolas públicas, dez apresentaram desempenho inferior. Na ocasião, pelo menos quatro escolas estavam sob investigação criminal por má administração financeira, conflitos de interesse e nepotismo. Na Pensilvânia, os administradores de algumas escolas charters criaram empresas privadas para vender produtos para suas escolas (RAVITCH, 2011). Em Nova Orleans as escolas charters fracassaram em atender alunos com dificuldades de aprendizagem, resultando em processo legal interposto em nome de 4.500 aluno.
Conforme um estudo nacional realizado entre 1997 e 2006, o alto índice de evasão de professores é uma forte característica das escolas charters, chegando a quase 40% anualmente, entre os novos professores e 25% no conjunto dos professores. Isto corresponde ao dobro da evasão de professores das escolas públicas e acontece porque, em geral, os professores das charters recebem salários inferiores aos dos professores das escolas públicas. De acordo com estudo realizado em 2001 sobre as escolas charters de Michigan, em 2011 o salário médio anual dos professores das charters era de US$ 31.185, em comparação com os US$ 47.315 dos professores das públicas (FOSTER, 2013).
Nos EUA o complexo educacional-industrial é o grande beneficiário da reestruturação das escolas públicas e da expansão dos modelos empresariais de gestão educacional. Em 2000, relatório da Bloomberg Business Weenk, sobre investimentos em educação, projetou que com essa tendência geral à privatização de escola, o grande concorrente [do setor de educação privada] é o governo mas que, ao longo do tempo, o setor com fins lucrativos irá sistematicamente apropriar-se deste ramo de atividade do governo (SYMONDS, 2000). As empresas que mais se beneficiaram da expansão mercantilista da educação nos Estados Unidos, provavelmente, foram as grandes corporações como a Apple, Dell, IBM, HP (tecnologia); Pearson, Harcout, McGraw-Hill, Thomson (conteúdo didático); CTB, McGraw, Harcourt Assessment, Thomson, Plato (avaliação).
Importa-nos destacar que, em 2005, o renomado pesquisador educacional Gerald W. Bracey, publicou um relatório intitulado No Child Left Behind: Were Does the Money?, no qual denunciou o papel do grande capital, da corrupção e das propinas na expansão do mercado educacional. Conforme o relatório, tal expansão teve um duplo padrão, marcado por grandes exigências      às escolas públicas e tratamento negligente às corporações fornecedoras de materiais e prestadoras de serviços que, por exigência legal, são utilizados pelas escolas (BRACEY, 2005).
No Brasil, análises sobre tais políticas podem ser encontradas nos estudos do Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas e da Profa. Dra. Thereza Adrião, ambos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), entre outros.
O Charter School é o modelo que o Ministro interino da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), pretende patrocinar sob o discurso de que diminui as despesas do Estado e de que a gestão privada é mais eficiente do que a pública. Esta foi sua principal referência quando vice-governador (1999/2005) e governador de Pernambuco (2005/2006). Nos referimos ao Programa de Desenvolvimento de Ensino Experimental (PROCENTRO) que, a partir do ano de 2000, reformou o Ginásio Pernambucano e criou 12 escolas de tempo integral na rede estadual de ensino, através de parceria público-privada com o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), organização não-governamental, ligada à diversas corporações empresariais, como a Philips Brasil e o Grupo Gerdau.
No Brasil, este modelo compõe a agenda de forças políticas neoliberais e neoconservadoras, atualmente em implantação em São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Ceará, entre outros estados da federação, com o apoio de várias instituições ligada à “neofilantropia empresarial”, como a Fundação Itaú Social, Itaú BBA, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho e o Instituto Ayrton Senna, Fundação Walmart, etc. Embora sem sustentação de pesquisas consistentes e independentes que comprovem a melhoria do desempenho educacional onde o modelo foi praticado há mais tempo, esta é a “ponte” que Temer quer construir para o “futuro” da educação brasileira. Nossa hipótese é a de que depois da “ponte” privatista, o “futuro” é a ampliação do atraso e das desigualdades educacionais e socioeconômicas. Depois da ponte está o abismo.

Atraso educacional brasileiro

Após quase um século de subfinanciamento e atraso educacional em relação aos países ricos e até mesmo alguns vizinhos latino-americanos como Argentina, Chile e Uruguai, nas últimas décadas o governo brasileiro fez um esforço mais sistemático para diminuir o quadro de desigualdades educacionais e socioeconômicas. Em relação aos gastos educacionais, entre os anos 2000 e 2013, os investimentos diretos em educação cresceram do equivalente à 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto) para 5,2%, conforme dados Instituto Anísio Teixeira de Pesquisa Educacional (INEP/MEC, 2016). Entretanto, estes números ainda estão muito longe de alcançarem a situação ideal, uma vez que o “valor anual por habitante em idade escolar” é um dos mais baixos do mundo. De acordo com o mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Education at a Glance (EAG) 2015, o valor gasto por aluno no Brasil, do ensino básico ao superior, é de US$ 3.441, muito aquém da média dos países membros e parceiros, que é de US$ 9.317. No início da lista estão Luxemburgo (US$ 21.998) e Suíça (US$ 15.859). E os quatro últimos são Brasil, México (US$ 3.233), Turquia (US$ 3.072), Colômbia (US$ 2.898) e Indonésia (US$ 1.809).
Apesar dos esforços para aumentar os investimentos na área e melhorar os indicadores educacionais e dos relativos êxitos alcançados, o Brasil ainda está muito longe de um patamar que garanta a democratização plena das oportunidades educacionais, dado o histórico déficit educacional. Conforme os dados do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES, 2014), a média de estudo da população brasileira é de 7,9 anos, menor que a do Chile (9,7), da Bolívia (9,2), do Peru (8,7) e do Uruguai (8,5). Em 2012, a taxa de analfabetos entre pessoas com 15 anos de idade e mais era de 8,7% (cerca de 13 milhões de analfabetos). 15% das crianças de 8 anos de idade ainda não estavam alfabetizadas. Entre as pessoas na faixa de 18 a 24 anos, 70% estão fora de qualquer processo educacional. Na faixa de 15 a 17 anos, apenas 54% cursavam o ensino médio. Entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, praticamente 1 em cada 5 não estudavam, nem trabalhavam (geração “nem-nem”). No ensino superior, para a faixa etária entre 25 e 64 anos, observa-se uma taxa de 14% em 2013, nível bem abaixo de países latino-americanos como Chile (21%), Colômbia (22%), Costa Rica (18%) e México (19%). A partir destes dados vê-se, nitidamente, que o atraso educacional brasileiro ainda é enorme, mesmo considerando o crescimento dos investimentos educacionais feitos na última década.
Inúmeros estudos sobre o financiamento educacional no Brasil demonstram que para superarmos nosso atraso e atingirmos um patamar adequado precisaríamos empregar cerca de 10% do PIB, como fazem os países desenvolvidos (AMARAL, 2010; SALVADOR, 2012; HELENE, 2013). Esta é a meta 20 do Plano Nacional de Educação (PNE 2012-2024), sancionado em 2014 pela presidenta Dilma Roussef, após controverso debate na sociedade, sobretudo nas edições da Conferência Nacional da Educação (CONAE). O PNE prevê também que os recursos para ampliação do orçamento da educação, sairão dos royalties do petróleo (75%) e do Fundo Social do Pré-Sal (50%), conforme as leis 12.351/2010 (Lei da Partilha) e 12.858/2010 (Lei dos Royalties). Isto aportaria mais R$ 134,9 bilhões para a educação até 2022, conforme publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 19/08/2013. Mas esta meta, além das inúmeras imprecisões, também está sob forte ameaça, pois o programa anunciado pelo presidente interino Michel Temer, também prevê o “desatrelamento das receitas dos royalties do petróleo e do Fundo Social do Pré-Sal para o financiamento das políticas sociais”. Esta medida já está em regime acelerado de tramitação no Senado, através do Projeto de Lei 131/2015 de autoria do senador José Serra (PSDB), que reduz a participação da Petrobras nos consórcios de exploração na camada do pré-sal, hoje estipulada em pelo menos 30% dos blocos licitados.

Defender a educação pública da distopia privatista


No dicionário Houaiss o significado da palavrada distopia que nos parece mais adequado ao momento refere-se a um “local imaginário, circunstância hipotética, em que se vive situações desesperadoras, com excesso de opressão ou de perda”. O termo foi brilhantemente utilizado pelo cineasta Silvio Tendler no documentário Privatizações: a distopia do capital (2014), para descrever o horizonte de “antiutopia” aberta pelo neoliberalismo.
Desvincular receitas da educação e da área social como um todo, significa abrir caminho para transferência da escola pública brasileira para a distopia privatista. Esta instituição social que foi construída tardiamente ao longo do séc. XX, mas que teve nos quase 30 anos de Constituição Cidadã seu maior impulso estruturante.
A escola pública brasileira, com todas as suas contradições, resulta da luta dos trabalhadores e dos movimentos pela democratização da educação da década de 1980, sendo único meio de a maioria da população acessar o conhecimento sistematizado historicamente pela humanidade. Uma vez sob as rédeas de corporações empresariais, a instituição escolar servirá exclusivamente para uma educação instrumental pró-mercado, ao controle ideológico e à especulação financeira. Como consequência teremos o aprofundamento das desigualdades educacionais, socioeconômicas e de poder político, como já evidenciado em Nova Iorque, Nova Orleans e Chicago (FOSTER, 2013).

A entrega definitiva do pré-sal aos estrangeiros, significa o desmonte de novas possibilidades de financiamento da educação pública tornando, no mínimo incerto, o processo civilizador que a educação escolar seria capaz de impulsionar junto às gerações mais jovens. Para o desenvolvimento econômico e social do país é um golpe mortal, já que sem educação sistemática, pública e de qualidade, o Brasil permanecerá dependente intelectual e tecnologicamente, e subordinado econômica e politicamente. Defender a escola pública brasileira da “distopia privatista” é uma luta a ser travada pelos educadores, estudantes e seus órgãos de representação, e de todos que lutam por um Brasil justo e soberano, pois sem educação pública não há democracia substantiva possível.
Caso essa (des)construção não seja imediatamente interrompida, a ponte de Michel Temer levará o Brasil a um futuro de perdas irreparáveis e ao desespero próprio da falta de utopia.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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[1] Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Mestre e Doutor em Educação. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação (PPGE/CE) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea do Centro Acadêmico do Agreste (PPGEDUC/CAA).

Um comentário:

John Mateus Barbosa disse...

Olá Prof. Jamerson. Esse texto terá mais acesso nesta semana. Solicitei aos meus alunos da disciplina de Políticas Educacionais que o lessem para debate e problematização na próxima aula. Abraços.