quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Globo mente e detrata o movimento docente para privatizar a universidade pública

No editorial de domingo (24/07/2016), publicado sob o título “Crise força o fim do injusto ensino superior gratuito”, o jornal O Globo defendeu abertamente a privatização da universidade pública brasileira, além de mentir sobre o movimento sindical dos servidores públicos e os centros universitários brasileiros.


Utilizando falaciosamente a desculpa da crise fiscal, O Globo bravateou: “Para combater uma crise nunca vista, necessita-se de ideias nunca aplicadas". A alternativa então, seria, simplesmente, “acabar com o ensino superior gratuito” e focalizar as política de vouchers, distribuindo bolsas para quem não puder pagar, como já é feito pelo ProUni e FIES.

De acordo com o jornal da família Marinho, a carga tributária brasileira nos níveis dos países desenvolvidos (acima dos 35% do PIB) é uma “grande injustiça”, pois os altos impostos não se revertem em serviços públicos de qualidade, como acontece nos países desenvolvidos. E numa sofismática defesa da justiça social, aponta que entre os mecanismos de concentração de renda está a universidade pública gratuita, uma vez que ela consome grande montante de recursos do Estado e “favorece apenas os ricos”, que são “donos das primeiras colocações nos vestibulares”.

Por fim, colocando-se hipocritamente como porta-voz dos pobres, O Globo, da família Marinho (que segundo o site JusBrasil, foi acusada pela Receita Federal de sonegar impostos na base de cálculos de R$ 375 milhões pela compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002 ) disparou contra o movimento docente das instituições públicas de ensino superior e contra os centros universitários brasileiros a seguinte infâmia:
Já o pobre, com formação educacional mais frágil, precisa pagar a faculdade privada, onde o ensino, salvo exceções, é de mais baixa qualidade. Assim, completa-se uma gritante injustiça social, nunca denunciada por sindicatos de servidores e centros acadêmicos."
Apesar de nas últimas décadas as contraditórias políticas de expansão e democratização das vagas do ensino superior terem permitido um maior acesso e permanência da população de menor renda às universidades públicas e privadas, ainda assim, temos muito a fazer no sentido da reversão da nossa enorme desigualdade educacional. Mas, ao contrário das mentiras pulverizadas no editorial de domingo - como, aliás, é de costume das Organizações Globo -, a análise crítica da política de ensino de superior no Brasil é objeto de estudos e pesquisas em inúmeros programas de pós-graduação vinculados às universidades públicas, bem como, do movimento docente representado pela Associação dos Docentes do Ensino Superior - ANDES/SN, como se pode acessar aqui

Entidades científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e as inúmeras associações de pós-graduação brasileiras se dedicam à divulgação de pesquisas científicas sobre o assunto, disponibilizando subsídios científicos consistentes  à sociedade, incluindo a grande mídia.

Entretanto, se existe consenso na comunidade científica brasileira de que nosso sistema de ensino superior ainda é profundamente desigual e injusto, isto está muito distante de sacralizar a privatização  como medida promotora de justiça social, como querem as Organizações Globo e o governo interino de Michel Temer. Consenso maior é que os fatores socioeconômicos como renda, moradia, raça, emprego, e propriedade são determinantes centrais das desigualdades de acesso e permanência no ensino superior, como pode ser evidenciado em diversos estudos como os que estão disponíveis aqui e aqui. Neste perspectiva, a alternativa para diminuição das desigualdades de acesso ao ensino superior não é acabar com a gratuidade da universidade pública, e sim com os privilégios dos ricos no campo econômico e político, desconcentrando renda e riqueza, como atestam pesquisas que podem ser acessadas aqui.

Além do mais, admitir que o sistema de ensino público é injusto, não equivale a dizer que o sistema privado é mais justo ou é mais popular. Pelo contrário, essa mentira da Globo (e outras mais) em relação à universidade pública já foi devidamente desmascarada, por exemplo, em reportagem que divulga pesquisa do Pnad 2014, destacando que nas universidades públicas tem mais pobres do que ricos e nas privadas tem mais ricos do que pobres. Neste sentido, a reportagem aponta:
Segundo a Pnad 2014, por exemplo, os estudantes que faziam parte dos 20% mais ricos da população brasileira correspondiam a 36% dos estudantes do ensino superior público e 40% do ensino superior privado. Ou seja, há mais 'ricos' no sistema privado do que no público.
Na ponta oposta, os estudantes que faziam parte dos 20% mais pobres da população brasileira representavam 7% dos estudantes do ensino superior público e apenas 3,4% do ensino superior privado. Ou seja, os 'mais pobres' estão nas universidades públicas no dobro da proporção verificada nas privadas.
Mas O Globo, dos Marinhos, desconsidera as determinações socieconômicas das desigualdades educacionais, pois ao fazê-lo coloca em xeque sua própria existência, como símbolo dos “podres da mídia brasileira” que, segundo o blog do Intervozes, são historicamente comprometidos com “concentração, manipulação e promiscuidade política” para obter vantagens do poder público.

Em favor dos pobres, os Marinhos poderiam, por exemplo, denunciar que do equivalente aos 35% do Produto Interno Bruto das receitas total arrecadadas, 53% é pago por 79% da população que recebem até três salários mínimos, conforme estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (disponível aqui). Poderia, então, propor medidas que perseguissem a justiça fiscal, fazendo com que quem ganhasse mais pagasse mais tributos, conforme previsto na Constituição, de acordo com a Profa. Lena Lavinas da UFRJ:
Quem tem mais, deve pagar mais, estabelece a Constituição, em um preceito tão desobedecido quanto o do Imposto sobre Grandes Fortunas, à espera de regulamentação. Nesse assunto, o Brasil está na contramão. A partir de 2012, com a piora da economia e da arrecadação, países europeus que haviam concedido desonerações tributárias e cortado gastos, voltaram a aumentar o imposto de renda nas alíquotas mais altas e elevaram os impostos sobre propriedade, diz a professora Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Poderiam denunciar que os ricos do Brasil não pagam tantos impostos quanto os ricos dos países desenvolvidos, onde o sistema tributário é progressivo e incide mais sobre a renda e a propriedade do que sobre consumo de bens e serviços. Como evidencia o estudo da OCDE (disponível aqui), que no Brasil os tributos incidentes sobre bens e serviços, renda e propriedade representaram em 2007 cerca de 46,8%, 22,1% e 34% respectivamente, de uma carga total de 34,8% do PIB. Nos países da OCDE essas proporções atingiram cerca de 30,4%, 36,9% e 5,4% de uma arrecadação de 35,8%. Em favor dos pobres, o ilibado jornal da ditadura civil-militar bem que poderia dedicar algumas linhas para cobrar do governo medidas severas que cobrem dos ricos o pagamento de R$ 500 bilhões anuais que são sonegados aos cofres públicos, montante sete vezes maior que o roubado pela corrupção.

A privatização da educação brasileira (em todos os níveis) ganhou a ofensiva na agenda política da burguesia nacional em articulação com o capital internacional. O objetivo maior é o controle absoluto da educação brasileira, tanto para explorá-la como setor de mercado, quanto para dar direção ideológica à formação das novas gerações. Para isso tentará através do consenso e da coerção destruir o movimento docente e dos servidores públicos em geral, além dos setores da academia que exerçam alguma crítica e exponha as nervuras escravocratas, machistas, racistas e homofóbicas das elites nacionais.

O editorial de O Globo é mentiroso e manipulador, além de tentar desmoralizar o movimento sindical, as entidades científicas, os programas de pós-graduação e os docentes e pesquisadores das universidades públicas brasileiras. Mais do que isso, é um sinal de ofensiva articulado com o governo interino de Temer e aliados, visando o aprofundamento dos ataques à universidade pública brasileira, não em favor dos pobres, nem do equilíbrio fiscal, mas dos lucros das corporações empresariais nacionais e internacionais, os quais tomaram de assalto o Ministério da Educação.

Uma empresa como a Globo, que há décadas aliena o povo brasileiro, investindo largamente na desinformação, deseducação e manipulação, e o que é pior, recebendo vultuosos financiamentos do Estado bancado majoritariamente pelos pobres, não pode detratar a universidade pública brasileira de tal forma, sem receber uma resposta a altura. A universidade pública brasileira, a comunidade científica e suas entidades representativas precisam utilizar toda sua capacidade crítica e de organização cultural para refutar a mentira de que a educação privada gera justiça social, e para ajudar a articulação da resistência organizada ao golpe privatista, na qual a defesa da educação pública de gestão pública pode ser elemento unificador.

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